Eu preciso amostrar o solo na zona saturada?


A ideia central desse texto foi publicada originalmente na  Revista Pollution Engineering Brasil em maio/2014, mas, de lá para cá, outras questões importantes surgiram em conversas, trabalhos e aulas que participamos, e essas questões precisam ser debatidas adequadamente.
Começaremos pela resposta: Objetivamente, Sim, você precisa amostrar o solo na zona saturada!!!!!!!
Se você não faz isso, seu modelo conceitual provavelmente terá inconsistências, você não conseguirá estimar a massa do eventual contaminante, seu plano de intervenção terá muita probabilidade de estar errado, sua remediação será ineficiente ou cara e você não estará seguindo as recomendações, procedimentos e normas nacionais e internacionais. 
Infelizmente, essa atividade raramente é realizada durante as etapas de investigação de áreas contaminadas, um pouco por causa dos custos, mas principalmente por causa dos “dogmas” estabelecidos no nosso mercado, que dizem “não ser necessária a amostragem de solo na zona saturada”. O nosso objetivo com essa série de textos é começar a mostrar que esses dogmas estão errados.
No decorrer das próximas postagens, vamos tentar expor a fundamentação dessa premissa, bem como as maneiras e ferramentas mais adequadas para efetuar essa amostragem de solo na zona saturada.
Começaremos pela base de tudo: como amostrar o solo na zona saturada?

Amostragem de Solo – Parte 1: Como Fazer?
Vamos iniciar as respostas ao "dogma" expondo a principal metodologia, dentro do Gerenciamento de Áreas Contaminadas (GAC), para coletar amostras de solo: a cravação contínua, ou Direct Push, utilizando o amostrador tubular de PEAD ou PVC denominado liner, por ser essa a forma mais representativa disponível no Brasil de se coletar amostras de solo em profundidades médias a grandes. 
Trataremos dessa metodologia porque as outras comumente utilizadas no Brasil são inadequadas: por exemplo, coletar solo no Trado manual não é representativo em escala de detalhe e é proibido pelas normas se o objetivo é realizar análises químicas de compostos voláteis (VOC) ou semivoláteis (SVOC). Outra metodologia utilizada com frequência é coletar solo nos helicoides (aletas dos espirais) dos trados ocos ou sólidos. Isso é totalmente fora de propósito porque a amostra não é de maneira nenhuma representativa da profundidade, e a trajetória que a amostra faz de seu local de origem para a superfície é muito longa e irregular, causando perdas ou modificações nos analitos.

A amostragem Direct Push pode ser realizada de três formas: Single Tube, Dual Tube ou Piston Sampler.
Single Tube, ou amostrador de tubo único, é a modalidade que coleta amostras e deixa o furo de sondagem aberto. É a mais simples, porém, só consegue coletar amostras representativas em condições extremamente favoráveis, pois, com ela, pode facilmente ocorrer o desmoronamento do furo e consequentemente, mistura de material de diferentes profundidades (traduzindo: amostras não representativas). O Single Tube pode ser utilizado concomitantemente com a sondagem com os trados ocos helicoidais (Hollow Stem Auger), o que reduz um pouco essa limitação, uma vez que os trados ocos revestem o furo, dificultando a entrada no amostrador de solo que não pertence ao local



 Amostragem de Solo Direct Push - Single Tube. Pode ser feita concomitantemente com a perfuração com trados ocos helicoidais (Hollow Stem Auger)


A segunda forma para se revestir o furo é o uso do Dual Tube, ferramenta que ao mesmo tempo possibilita a coleta de amostras pelo tubo interno e reveste o furo com o tubo externo. É mais eficiente que o Single Tube + Hollow Stem Auger porque é mais rápido, gera menos resíduo e reveste integralmente o furo de sondagem, mas tem a desvantagem de sofrer mais atrito lateral, portanto, é mais difícil executar a cravação. Porém, se o equipamento for capaz de superar essa dificuldade com o atrito lateral, é uma excelente ferramenta para a coleta de amostras representativas de solo em subsuperfície, particularmente na zona saturada. Abaixo algumas imagens do ferramental Dual Tube em uso. As imagens são das ferramentas fabricadas pela AMS Samplers Inc e diferem um pouco das ferramentas fabricadas pela Geoprobe, mas o princípio é o mesmo.

 Hastes internas do Dual Tube acopladas ao liner sendo recolocadas nas hastes externas (revestimento)


 Retentor de amostras (core catcher) acoplado ao liner, um detalhe fundamental para recuperação de amostras na zona saturada e/ou em areia

Detalhe da sonda e do ferramental Dual Tube , bem como acessórios, que são exclusivos da AMS


Amostragem Dual Tube sendo efetuada

 Diferencial da ECD, obtido através do treinamento ministrado pela AMS: a preparação e manutenção das hastes do Dual Tube é parte essencial do trabalho. Sem isso, o ferramental perde sua utilidade
 
 Organização das ferramentas Dual Tube : liners especiais acoplados com os core catchers

 Detalhe da parte superior da Haste externa (revestimento) do Dual Tube com liner e peças auxiliares

  Detalhe da parte inferior da Haste externa (revestimento) do Dual Tube com liner e sapata especial de amostragem


Porém, nenhuma das duas formas descritas anteriormente combate o fenômeno do “pre-heave”, ou seja, a migração de material por baixo do revestimento devido à ação da água em solo arenoso saturado, que impossibilitaria a coleta de amostra do ponto imediatamente abaixo de onde esse fenômeno ocorreu.
A melhor (em muitos casos, a única) forma de coletar amostras representativas na zona saturada e, ao mesmo tempo, possibilitar a recuperação dessas amostras, é utilizar o amostrador de pistão (Piston Sampler) com core catchers (recuperadores de amostra, também chamados de molas-cesto ou "aranha"). O Piston Sampler consiste em cravar o tubo de amostragem fechado até a profundidade em que se pretende iniciar a amostragem. Chegando nessa profundidade, abre-se o amostrador e coleta-se a amostra. Por exemplo, iniciamos coletando amostras da superfície. Até os 4,0 m de profundidade, qualquer amostrador (por exemplo, Dual Tube, ou mesmo Single Tube revestido por trados ocos) tem sucesso. A partir daí, começa a acontecer o pre-heave. Então, crava-se o ferramental Piston Sampler fechado até 4,0 m, abre-se e coleta-se amostras de 4,0 a 5,0 metros. Depois de retirada a amostra, crava-se novamente o amostrador fechado até 5,0 metros, abre-se e coleta-se dos 5,0 aos 6,0 m, e assim por diante.
Todas essas modalidades estão disponíveis no Brasil, em mais de uma empresa especializada em prestação de serviços de sondagem ou de investigação. E é aí que o "cão corre atrás do próprio rabo": as consultorias dizem que não conhecem essas alternativas, por isso não utilizam, enquanto as empresas de prestação de serviços dizem que as consultorias nunca pedem as modalidades mais "sofisticadas" de amostragem de solo, por isso não fazem. Essa série de textos tentará desmistificar essa questão.
No próximo texto, falaremos sobre as origens do “dogma”.




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